Uma vocação contemplativa no meio das massas
Você já imaginou que em um determinado momento
da sua vida no período que você tivesse mais energia para gastar, como todo
jovem cheio de sonhos, muitas festas e diversões, como curtir a balada com os
amigos, poder fazer as coisas sem permissão dos adultos, ganhar dinheiro, construir
uma vida comum, escolher a alegria e o prazer continuamente? Quem não já
pensou, não é? Todavia, nem todos sonham com as mesmas coisas, ou tem a mesma vocação,
pois a vida cada um é “conhecer além das estrelas.” (Pieper, Que é filosofar?,
p.22). Esse é o meu caso, um jovem que sonhou além, escutou a voz de Deus, a
partir disso, escolheu a vida de oração, testemunhando o evangelho com a vida,
na simplicidade e abandono na vida eremítica.
Primeira comunhão |
Mas isso não foi de uma hora para outra, nem
percorrido num caminho plano e sem espinhos, mas de lutas constantes, partindo
de escolhas e muita coragem pois a vocação é uma luta a cada dia. Na minha
infância meus pais contavam que eu gostava de brincar sozinho na fazenda com as
formigas, para mim eram como os humanos, fazia buracos na terra; também gostava
de andar sozinho pelos campos e plantações, também recordo que numa casa onde morávamos
tinha um galinheiro, e nesse lugar, eu ficava ali, era ima igrejinha, com meus
santos, minhas leituras, algo incomum para minha idade. Todavia, também fui
marcado pelas coisas que todos passam, como apaixonar-se loucamente por uma
menina na escola, brincar de casinha, sonhar com uma família para formar e ao longo
do tempo às vezes vacilava, como diz a música “o povo de Deus”.
Quando pela primeira vez pensei em ser eremita,
na adolescência, comecei a procurar algum perfil de eremita que fosse
compatível com o que eu estava idealizando, até que encontrei o Beato Charles
de Foucauld ao qual fiquei encantado com sua vida, pois ele era um eremita
apaixonado pela vida, acessível, amigo e com uma imensa fé em Deus, um contemplativo
no meio da massa no deserto do Saara, entre escravos, pobres, soldados e
muçulmanos e sua vida parecia com a minha.
No primeiro semestre de 2018 coloquei em
prática o que sonhara desde a adolescência: Ser um eremita nos dias atuais,
pois “A única perfeição... é fazer a vontade de Deus.”( Foucauld, Meditações
sobre o Evangelho), então procurei conversar com meu diretor espiritual, com o
ordinário local pedindo conselhos e a bênção de Deus para o início desse
projeto.
Visitas no eremíterio KitNet |
Primeiramente, com pouquíssimo dinheiro aluguei
uma kitnet num bairro da periferia, era uma casinha que tinha apenas um
cômodo e o banheiro, mas estava feliz, além disso, e eu morava em meio a outras
casas, aos quais os moradores eram do Haiti e vieram a mineiros trabalhar. Recebi
doações de amigos e religiosos, nesse lugar comecei a viver a espiritualidade
da encarnação, que atraiu Charles de Foucauld e São Francisco de Assis, no meio
da massa, pobre entre os pobres, entre os vizinhos, um contemplativo no meio do
mundo, “Gritar o Evangelho com a própria vida.”
Depois de vários meses por providência divina
fui convidado por Dom Vinícius para morar numa KitNet no Perobeira da paróquia,
ao lado da comunidade do lugar, auxiliando a vida espiritual da capela do
bairro, convivendo com as pessoas, dedicando a vida eremítica, evidentemente
aceitei, ficando muitíssimo grato, pois nesse convite a vontade de Deus,
posteriormente consegui um trabalho e a vida foi se organizando.
Vida Eremítica
A vida eremítica foi uma das primeiras
modalidades de vida consagrada no mundo cristão, com os Padres do deserto a
partir do sec III, todavia o seu precursor considerado por muitos autores foi o
Santo Profeta Elias, originário de Tesbi, no tempo de Acab e de Ocozias. No
contexto da era cristã, os eremitas dos primeiros séculos não eram padres ( a
maioria), nem tinham muita formação, contudo eram notáveis pais do deserto por
sua imensa fé em Deus, vida de oração, silêncio e penitência, a tríplice que
todo o eremita deve viver.
As formas ao longo dos séculos da vida
eremítica mudaram, não houveram somente os padres do deserto, mas Eremitas
mendicantes, como São Roque, Eremitas urbanos, como Santa Rosa de Lima ( o meu
caso) e outras diversas formas e modalidades que responderam ao contexto da
época até os dias atuais.
A Santa Igreja pode reconhecer o eremita
canonicamente ou poderá fazê-lo numa congregação ou de forma autônoma (Conf.
Cân. 603). Alguns recebem doações, outros recebem ajuda da igreja, já outros
trabalham, como é o meu caso, para me manter financeiramente, além disso tenho
vida social normal, portanto esse está sendo o meu chamado e o seu qual será
Por: Lucas Silva Vieira, eremita
Fontes: Que é filosofar? São Paulo, EPU, 1981.
Foucauld, Meditações sobre o Evangelho.
A sabedoria do deserto: ditos dos Padres do Deserto do
século IV, Thomas Merton, 1960.
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